Discordianismo é uma religião baseada na adoração de Eris (também conhecida como Discórdia), a deusa Grego-Romana do caos. Foi fundada em algum momento entre 1958 e 1959, após a publicação do seu (primeiro) livro sagrado, o Principia Discordia, escrito por Malaclypse the Younger (Malaclypse o Jovem) e Omar Khayyam Ravenhurst, depois de uma série de alucinações compartilhadas em uma pista de boliche. Wikipedia
Brenton Magnuns Johanne Clutterbuck vivia em uma pequena cidade da Austrália, cujo nome eu não sei. Dizia que sua cidade era tão pequena que ele já conhecia todos nela. Dizia que sua cidade era tão pequena que não havia garotas solteiras nela. De saco cheio de tudo aquilo, largou seu emprego como professor de japonês e resolveu rodar o mundo entrevistando pessoas que se dizem discordianistas. O resultado disso vai ser reunido em um livro. Apesar da obra estar em andamento, já possui um belo título: Perseguindo Éris um passeio antropológico no coração da discórdia.
Ele estava no Rio de Janeiro quando eu soube de sua existência. Conheceu por lá alguns de meus velhos camaradas caoístas e discordianos e, quando disse que vinha para São Paulo, passaram meu contato. Simpático, conversou comigo via Facebook e disse que iria encontrar algumas pessoas em um sábado à tarde no Asterix, um bar próximo à Avenida Paulista. Eu não poderia ir, mas passei o contato de algumas pessoas com quem poderia conversar.
Brenton entrou em contato comigo de novo na segunda-feira. Ninguém havia comparecido ao encontro no sábado e ele queria saber se ainda poderíamos nos encontrar. Combinamos então de nos ver na terça-feira à noite. O combinado foi se encontrar no Metrô Consolação e depois jantar em algum lugar.
Por uma estranha coincidência (ou não), era justamente dia de fechar os relatórios no meu trabalho. Chega a ser engraçado pensar que iria ser entrevistado sobre meus laços com Caos e Discórdia após passar o dia afogado em planilhas, números, reuniões e análises. Ou chega a ser perfeito, dependendo do ponto de vista.
Tendo encerrado parte de meus afazeres mundanos, parti para encontrar Brenton. Iríamos nos encontrar na esquina da Augusta com a Paulista, em frente ao banco Safra. Assim que saí do metrô, presenciei um travesti bizarro, seminu no outono frio, cantando a versão de Marilyn Manson para Sweet Dreams. Dei um sorriso. O clima estava ficando propício.
Brenton não era uma figura impressionante. Talvez seja porque eu ache que todo australiano deva ser parecido com o Crocodilo Dundee e ele fosse só um cara normal. Nos cumprimentamos e propus a ele comer alguma coisa no Violeta. Fomos descendo a Augusta e começamos um papo estranho entre nós, eu com meu péssimo inglês e ele com um quase nulo português dele.
Expliquei o que era a Rua Augusta, este misto de puteiros com restaurantes com botecos fuleiros com bares chiques com hotéis caros com baladas de todos os tipos. Logo na primeira esquina uma guria veio nos vender cocaína. Recusamos educadamente. Ao chegar ao restaurante, resolvemos jantar pra valer, e pedimos um tradicional arroz, feijão, bife, fritas e salada. Ligou então um gravador e começamos a conversa que iria para o seu livro.
Perguntou sobre como me envolvi com Magia do Caos e com Discordianismo. Quis saber com quais deuses e entidades eu comungava e que tipos de rituais eu fazia. Comentei minha experiência como Antigo Mestre Altamente Recomendável da Sociedade Hermética Inciática da Mão Onanística. Falamos sobrem zen-budismo e o Buda Desertor. Relembrei meus tempos de Associação Filhos do Caos, de Coven-Flor e dos Clubes da Luta que organizamos em São Paulo e Bauru.
Íamos comendo e conversando. Por diversas vezes o papo enveredava para amenidades. Ele nunca havia comido palmito e gostou bastante. Comentou que a comida dos restaurantes aqui é farta, com o jantar vindo em diferentes pratos, cumbucas e bandejas. Parece que na Austrália e nos EUA o almoço todo vem em um prato só. O rapaz era bom da prato e limpou o dele bem antes de mim. E olha que como rápido.
Resolvi que era hora de falar um pouco sobre as experiências de Brenton e de sua viagem até agora. Ele não se considerava um tipo de ocultista. Havia participado de alguns rituais, mas seu interesse pelo discordianismo era mais filosófico. Da Austrália, foi para os EUA, aonde andou pelo oeste, leste e sul do país.
Poucos norte-americanos se dizem discordianos ou caoístas, segundo Brenton. As pessoas com quem conversou chamavam a si próprias de pagãs e tinham em Éris só mais uma deusa de um vasto panteão. Encontrou um cenário bem diferente no Brasil, onde a Magia do Caos e o Discordianismo estão tão relacionados que se confundem.
Por fim, me perguntou por que eu me dizia afastado dos discordianistas. Respondi que a maioria deles era muito boba. Usam o discordianismo como uma desculpa para não se responsabilizar por nada, não emitir uma opinião concreta sobre nada. Acham que jogar merda no ventilador é a melhor coisa do mundo e só isso que sabem fazer. Resumi a questão dizendo que só representam o aspecto lunático e palhaço de um bobo da corte, esquecendo-se de toda uma sabedoria que existente nesta mesma figura.
Como Brenton havia andado pouco por São Paulo, resolvemos descer toda a Rua Augusta. Queria mostrar na prática como aquele mix de lugares e pessoas funcionava. Durante a jornada, perguntei o que ele mais havia gostado no Brasil até agora. Comentou que o que mais o impressionou foi a paixão das pessoas. Elas REALMENTE gostavam das coisas. Havia saído com o pessoal do Baixo Centro no fim de semana e ficou admirado com o quanto as pessoas dançavam, bebiam, curtiam, conversavam.
Quando perguntei o que ele não havia gostado por aqui, respondeu que viu muita pobreza. Então emendou: Ouvi dizer que a presidente de vocês ajuda os pobres. Então por que tem tantas pessoas nas ruas? Eu não soube o que responder.
Chegou então a hora da despedida. No dia seguinte, partiria para Florianópolis. Seus passos seguintes eram Goiânia, Argentina e São Paulo novamente. Então uma temporada em sua terra natal e finalmente, a Europa. Ele agradeceu a conversa e a hospitalidade e partiu, prometendo que entraria em contato quando voltasse para estes lados.
Quando o livro ficar pronto, espero conseguir uma cópia.
Alessio Esteves
Jornalista, escritor, poeta e editor-assistente desta bagaça. Nerd patológico (joga Tibia!), pode ser encontrado no cyberespaço ou falando seu nome três vezes em frente a espelhos em botecos suspeitos da Rua Augusta. Uma mistura de Spider Jerusalem e John Constantine, ou não. FNORD
FONTE: http://contraversao.com/gramateia-cybernoia-15-perseguindo-eris-discordianismo/